24.7.09

A essência irônica do suporte: a Ressignificação



… usam as mais variadas formas de produção e modos de abordagem (colagem, foto-texto, fotografias construídas ou projetadas, videoteipes, textos críticos, obras de arte apropriadas, arranjadas ou sucedâneos etc.), e, no entanto, todos eles se parecem no seguinte aspecto: cada um deles trata o espaço público, a representação social ou a linguagem artística na qual ele ou ela intervém tanto como um alvo quanto como uma arma. Essa mudança na prática inclui uma mudança na posição: o artista se torna o manipulador de signos mais do que um produtor de objetos de arte; e o espectador, um leitor ativo de mensagens mais do que um contemplador passivo da estética ou o consumidor do espetacular. Essa mudança não é nova – na verdade, a recapitulação nessa obra os “procedimentos alegóricos” do readymade, da fotomontagem dadaísta e da apropriação (pop) é significativa – no entanto, ela permanece estratégica porque, ainda hoje em dia, poucos são capazes de aceitar o status da arte como um signo social emaranhado a outros signos em sistemas produtivos de valor, poder e prestígio.

Manipulador de signos seria um termo muito apropriado para estas releituras “dementes” da série “Como me tornei Bípede ou Os Problemas Políticos de Ser Bípede”. Quando Francis Picabia denomina de “Asno” uma hélice (Âne, 1917, crayon sobre papel, 19x17xm), está manipulando os signos, seguindo a lei da Metaironia : “Para Duchamp, a arte, todas as artes, obedecem à mesma lei: a metaironia é inerente ao próprio espírito. É uma ironia que destrói sua própria negação e, assim, se torna afirmativa.”
Confrontar uma palavra e uma imagem, mas de sentido diferente e encontrar entre elas uma ponte verbal e/ou visual, plástica. Isto é o princípio irônico de “método demente ” que propulsiona meus jogos de palavras/imagens. Todos esses quatorze livros são inteiramente constituídos de situações de “ressignificações”. Mas o que significa dizer “ressignificação”? Como já indiretamente abordado no capítulo I em “das apropriações”, este processo se dá constantemente em toda a série, não só em livros ou textos apropriados que passam a receber um novo significado. Um mesmo texto ou uma imagem, podem receber dezenas de novos significados, dependendo da ação e/ou contexto em que são inseridos. O objetivo aqui, não é de nomenclatura e sim de mapear os caminhos deste processo de transformação de signos.
No caso dos livros apropriados (Work in work) – que sofrem também esta ação ressignificadora - não poderia chamar esse processo de ressiginificação de ready-made:
Em alguns casos os ready-made são puros, isto é, passam sem modificação do estado de objetos de uso ao de “antiobras de arte”; outras vezes sofrem retificações e emendas, geralmente de ordem irônica e tendente a impedir toda confusão entre eles e os objetos artísticos.

O tipo de intervenções plástica ou verbal impresso nestes livros não funciona no sentido de alterar o “status” de livro do livro. Altera-se apenas a aparência e não a essência do objeto. Já no ready-made, surge uma mudança qualitativa e de localização. Por outro lado, ambos alteram o conceito do objeto: deixam de ser objetos produzidos em série e tornam-se objetos únicos.
Esta capacidade de mutação de significados que uma imagem e a escrita possui não depende somente de um objeto “pré” conceituado. Essa transformação ocorre em tudo e todos:

“O axioma A é igual a A aparece por um lado como o ponto de partida de todo o nosso conhecimento é, por outro, como o ponto de partida de todos os seus erros”. Observa Trotsky. Como pode ser de uma só vez a fonte de conhecimento e de erro? Esta contradição se explica pelo fato de que a lei da identidade tem duas faces. É, em si, verdadeira e falsa. Julga corretamente as coisas enquanto estas podem ser consideradas fixas e imutáveis, ou enquanto a quantidade de mudança nelas pode ser consideradas fixas e imutáveis, ou enquanto a quantidade de mudança nelas possa ser descartada ou considerada nula. Ou seja: a lei da identidade dá resultados certos só dentro de certos limites. Estes limites estão dados por um lado pelas características essenciais que mostra o desenvolvimento concreto do objeto em questão e por outro pelo propósito que tenhamos em vista. (Home, Stewart, in: Plágio Positio...pág. 35 )

Uma coisa nunca é só ela mesma. A nunca é inteiramente A, e saber a ação, a quantidade de ação e como agir para tornar aparente todas aquelas coisas que A também é, são em si, os processos de relativização de um objeto:
O pensamento de Hegel arrasou como um furacão os salões empolados da filosofia, transformando-o todo e obrigando a todos a se aprumar com as poderosas idéias que ele havia desencadeado. O mundo do pensamento já não tem sido o mesmo desde que Hegel passou por ele. As controvérsias que se desencadearam ao seu redor não cessaram até o presente. Ei-nos aqui, defendendo Hegel de seus detratores cem anos depois de sua morte:
“Em essência” – como diz Hegel – todas as coisas são relativas”

Não que esse método de ressignificar as imagens/texto seja um método dialético, mas nessa explicação de dialética encontramos um dos possíveis roteiros para localizar esse processo:

A realidade está demasiadamente cheia de contradições, demasiadamente fugidia, por demais mutável para amarrá-la numa fórmula ou conjunto de fórmulas. Cada fase particular da realidade constrói suas próprias leis, seus sistema de categorias peculiares, com as que compartilham com outras fases. Estas leis e categorias devem ser descobertas por uma investigação direta da totalidade concreta, não podem ser pensadas ou produzidas pela mente antes de ser analisada na realidade material. Além do mais, toda realidade está em contínua mudança, descobrindo novos aspectos de si mesma, que devem ser tomados em conta e que não podem ser enclausurados em velhas formulas porque não só são diferentes, mas em detalhes contraditórias com elas .

No livro “O Passeio” partindo sempre do mesmo cenário: a cidade e o cubo, a cada “frame” ressurge um novo significado para “a figura e o fundo”. A paisagem, o cubo e a nuvem funcionam numa espécie de jogo onde a cada vez (e ao mesmo tempo) novas regras são estipuladas e a ação de um interfere diretamente na jogada dos outros:“Na arte o único que conta é a forma. Ou mais exatamente: as formas são as emissoras de significados. A forma projeta sentido, é um aparelho de significar. (Octavio p.25)
Este método produz um significado a cada nova ação, como uma máquina de fazer pintura e significar objetos. A cada ressignificação se vê que o cubo, a paisagem e a nuvem se assemelham exatamente àquilo que juntos construíram e assim estrutura-se a narrativa.
Mais um exemplo
Em resumo, que buscamos escapar neste método é “resgatar” o objeto (imagem e/ou texto) da estreita prisão da lógica e da razão. Uma hélice é um asno, o vermelho é azul e a nuvem é um cubo.