25.7.09

A carta


prezado Artista
li, em duas fases, seus escritos. Eis minhas impressões:
há alguns bons momentos nesse texto, algumas passagens de interesse, porque são curiosos, despertam curiosidade. Você vai gostar de ler Lautreamont, Raymond Roussel, Calvino... Eu, como leitor destes, mas também leitor compulsório de artes visuais, linguagens visuais etc., segui a leitura curioso para saber em que momento esse “tema” – ou esse nosso universo, contexto, campo comum – se faria presente. Isso não acontece. Você se recusa terminantemente a falar de arte, e declara isso logo no início. Trata-se de um texto que pretende auto-suficiência, que seja classificado, seja como isso ou aquilo, apenas a posteriori de qualquer leitura. Em outras palavras, um texto livre, pretendendo, por conta de sua atração como curiosidade, de sua incompletude e fissura, fundar um momento poético. Uma aventura narrativa. Nenhum problema em tentarmos tais aventuras, sem as quais nossa história e nossas estórias seriam de um tédio mortal; pior, imortal, perene. Mas precisamos levar uma vida tranquila. O que me preocupa – bem, muitas são minhas preocupações com os artistas, tão desorientados, e não é só você – é que um conselho supremo de artistas mestres do belo e rigorosos possam considerar essa insuficiência, essa falta de um caráter – digamos, “acadêmico”, na falta de definição melhor – leve a uma condenação, a uma recusa, a uma desaprovação, sei lá o quê. Devo confessar que, se eu fosse juiz supremo de arte, recusaria o texto como uma dissertação. Simplesmente porque o texto não é uma dissertação. Menos ainda, de linguagens visuais. Afinal, em que momento vc trata desse “tema, contexto, universo, objeto...”? O que justifica a existência e a inserção deste texto livre num contexto de mestrado? Que artistas e trabalhos e reflexões estão presentes, ao redor, por detrás, à espreita, como leitores/co-autores/cúmplices etc? Que trabalhos (de arte) justificam essa aventura pelo interior de diversas ciências, descomprometida com o rigor que aventuras do tipo deveriam demandar? Tipo levar um cantil com água fresca para o caso de sede, algumas barras de chocolate para matar a fome, uma ventarola de abanar, um repelente de insetos, o retrato de uma namorada para uma boa punheta, a passagem de volta para a volta. Artistas costumam portar esses itens em suas mochilas, mesmo quando não sabem por que portaram a mochila.

Com isso, caro artista, quero dizer que não sei bem o que quero dizer. Estamos a praticamente 2 meses das defesas de arte , os materiais que me foram enviados são, em geral, insuficientes, e estou numa situação de saia justa. Fazer o quê? Dar meu aval a n’importe quoi? Isso não dá para fazer. Não sei o que vc andou escrevendo como seqüência a este material, mas tendo a pensar que o problema fundamental não estará sendo contemplado: o de constituir uma reflexão DE arte (podemos ler esse de de diversas maneiras diferentes, mas o contexto em questão confere certas especificidades a esse de).
Penso que seu trabalho de ateliê poderá dar uma solidez ao corpo da dissertação, por conter, como produção visual, muitas de suas divagações no texto. Isso é uma compensação, mas não é uma solução. Isso se considerarmos que estamos, de fato, com um problema. Para mim, trata-se de um problema de descontextualização, de insuficiente reconhecimento e identificação de um site específico, que afinal constitui uma pré-condição para a produção de um bom trabalho de arte por um artista. Um pouco como falar a língua local do site em questão, de modo a obter alguma comunicação com o local e daí para o universal. Caso contrário, a produção é ensimesmada, voltada para si mesma, fechada, entrópica. E que ainda pode deixar o criador reclamando da falta de comunicação – no caso dos artistas incompreendidos.



A Academia Imperial