24.7.09

O Bípede como personagem existencial

3.5 O Bípede como personagem existencial
Nasci em um tempo em que a maioria dos jovens haviam perdido a crença em Deus, pela mesma razão que os seus maiores haviam tido – sem saber porquê. E então, porque o espírito humano tende naturalmente para criticar porque sente, e não porque pensa, a maioria desses jovens escolheu a Humanidade para sucedâneo de Deus. Pertenço, porém, àquela espécie de homens que estão sempre na margem daquilo a que pertencem, nem vêem só a multidão de que são, senão também os grandes espaços que há ao lado. Por isso nem abandonei Deus tão amplamente como eles, nem aceitei nunca a Humanidade. Considerei que Deus, sendo improvável, poderia ser, podendo pois dever ser adorado; mas que a Humanidade, sendo uma mera idéia biológica, e não significando mais que a espécie animal humana, não era mais digna de adoração do que qualquer outra espécie animal.Este culto da Humanidade, com seus ritos de Liberdade e Igualdade, pareceu-me sempre uma revivescência dos cultos antigos, em que animais eram como deuses, ou os deuses tinham cabeça de animais.

Como não podia deixar de ser com qualquer personagem, este assume alguns traços de personalidades que demonstram características importantes do trabalho.
O Bípede é marcadamente existencialista, para o Bípede sua existência é pura angústia. A existência humana, em toda a sua natureza, é questionada: quem somos? o que fazemos? para onde vamos? quem nos move? Como me tornei Bípede?
Nos cadernos, por diversas passagens podemos observar que o Bípede está desamparado; desamparado de um Deus universal. Para ele é muito incomodo que Deus não exista, porque desaparece com ele toda a possibilidade de achar valores num céu inteligível de nuvens geométricas ; não pode existir já o bem a priori, visto não haver já uma consciência infinita e perfeita para pensá-lo. Devido à falta de valores, tudo é permitido ao homem se Deus não existe. Estamos sós e sem desculpas, mas também não há determinismo, e portanto, o homem é livre.
Para o Bípede não há moral geral, pois não há sinais no mundo. O próprio homem é quem escolhe o significado do que ele pensa serem sinais. Sobre ele pesa, portanto, a inteira responsabilidade da decifração ou transformação (desses "sinais"). O desamparo implica sermos nós a escolher o nosso ser, sendo paralelo à angústia. E o desespero humano vem do fato de o homem não se limitar apenas a contar com o que depende da sua vontade, ou com o conjunto das probabilidades que tornam a sua ação possível.
Esta “crise” geral do Bípede foi com certeza a propulsão inicial para uma espécie de “Re-significação ” de imagens e textos presente nos livros, pois sobre o indivíduo (conceito ocidental) está toda a responsabilidade em decifrar e/ou transformar ou destruir os signos do mundo.