24.7.09

Primeira Introdução
















Como Me Tornei Bípede ou Os Problemas Políticos de Ser Bípede



ou

Last Mass Of The Caballeros






por

GUSTAVO MOREIRA SPERIDIÃO

Programa de Pós Graduação em Linguagens Visuais











Dissertação de Mestrado em Linguagens Visuais apresentada à Coordenação do Programa de Pós Graduação em Artes Visuais, sob orientação do Professor Doutor Milton Machado.












Rio de Janeiro, 1º semestre de 2007

Defesa de Dissertação

SPERIDIÃO, Gustavo Moreira. Como Me Tornei Bípede ou Os Problemas Políticos de Ser Bípede. Dissertação de Mestrado em Linguagens Visuais do Programa de Pós Graduação em Artes Visuais. Rio de Janeiro, UFRJ, Escola de Belas Artes, 2007, 146 folhas.




____________________________
Prof. Dr. Milton Machado
(orientador)



____________________________
Profª. Drª. Marisa Florido




____________________________
Prof. Dr. Carlos Zílio




_________________________
Prof. Dr. Guilherme Bueno




_________________________
Profª. Drª. Sheila Cabo







Dissertação defendida em / /











Dedico este trabalho às minhas pernas que primeiro me apoiaram.


Resumo

A série Como Me Tornei Bípede ou Os Problemas Políticos de Ser Bípede. Quatorze livros-cadernos de diversos formas e conteúdos.



Abordagem em três momentos da série; o personagem, a narrativa e a ironia. Engrenagens visíveis de uma coleção sobre a humanidade.
Livros de amor, filosofia, intriga, busca, redenção, júbilo, glória, esplendor, drama, política, literatura, revolução, esperança, geometria, sensualidade, poesia e principalmente pinturas.
Em resumo, um épico, uma saga, uma aventura, uma odisséia.
Entender como a ironia, motor do trabalho, funciona em seus mais sortidos aspectos ressignificando constantemente seu conteúdo e forma.

Um mundo diversificado e amplo de imagens em precisa fusão com a palavra, inseridos em um personagem, bípede (o leitor).

Abstract

How I Became a Biped or Political Problems of Being a Biped Series:
Fourteen books-notebooks of various shapes and contents.
A three-moment approach of the series - the character, the narrative and the irony.

Visible mashes of a collection about humanity.
Love books, philosophy, intrigue, seek, redemption, glee, glory, splendor, drama, politics, literature, revolution, hope, geometry, sensuality, poetry and most of all painting.
Briefly, an epic, a saga, an adventure, an odyssey.

Understanding how irony - the essay's motive – works on its most differents variants, constantly resignifying its content and shape.

A diversified world full of images in accurate fusion with the word, inserted in a character, biped (the reader).

Sumário





1 Primeira Introdução 14
1.1 Segundo Prólogo: uma breve apresentação do herói 15
1.2 Sobre o texto 23


2 Como me tornei estúpido 25
2.1 Da apropriação (algo como “utilizar livros para fazer Livros”) 29
2.2 Suporte-me 41
a) A relação do espectador com a obra: 42
b) Narrativa Seqüencial: 43
2.3 A aparência do suporte: os livros, cadernos e blocos. 45
2.4 Da forma e da temática obsessiva: 51
2.4.1 O uso do verbo: 52
2.4.2 A utilização da Fotografia: 57
2.4.3 Rasuras, bigodes acrescentados e dentes retirados: 62
2.4.4 Malevich e a supressão da inteligência: 64
2.4.5 O Bípede Didático 68
2.4.6 Sexo 70




3 O Personagem 74
3.1 O funcionário-autônomo e o Flânerie-Manco. 78
3.2 Sorria e o personagem irá sorrir com você. Chore, e você irá chorar sozinho.83
3.3 O Bípede como personagem-narrador 87
3.3.1 Das narrativas 88
3.4 Por que narrar? 93
3.5 O Bípede como personagem existencial 96
3.6 O Bípede como personagem conceitual ou figura estética? 98

4 O Sistema geral que rege a série 102
4.1 O Bípede e a ironia 102
4.2 Dada is Dead. Dada is Dad! 112
4.3 A essência irônica do suporte: a Ressignificação: 117

5 Considerações finais 122

Anexos 129

6 Referências Bibliográficas 144

Não se sente nada, a não ser um automatismo cá embaixo, a fazer umas pernas que nos pertencem levar a bater no chão, na marcha involuntária, uns pés que se sentem dentro dos sapatos. Nem isto se sente talvez.
Fernando Pessoa




As pernas
Ora, enquanto eu pensava naquela gente iam-me as pernas levando ruas abaixo, de modo que insensìvelmente me achei à porta do Hotel Pharoux. De costume jantava aí; mas não tendo deliberadamente andado, nenhum merecimento da ação me cabe, e sim às pernas, que a fizeram. Abençoadas pernas! E há quem vos trate com desdém ou indiferença. Eu mesmo, até então, tinha-vos em má conta, zangava-me quando vos fatigáveis, quando não podíeis ir além de certo ponto, e me deixáveis com o desejo a avoaçar, à semelhança de galinha atada pelos pés
(...)
– E cumpristes à risca o vosso propósito, amáveis pernas, o que me obriga a imortalizar-vos nesta página.
Machado de Assis

O que fazia com que a satisfação já não lhe bastasse era a espécie de dura tenacidade que, como primeiro passo geral, foi se tornando sua atitude à medida que desciam devagar a encosta. Eles eretos, os cavalos bamboleando as ilhargas. Clarice



1 Primeira Introdução
Apesar de Bípede, não danço.
Que Maiakovsky confessasse haver escrito um de seus livros para cem leitores, coisa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se estes livros não tiverem os cem leitores de Maiakóvsky, nem cinqüenta, nem vinte e, quando muito, doze. Dez? Talvez cinco. Trata-se, na verdade, de uma obra difusa, na qual eu, O Bípede, se adotei a forma livre de um Basquiat, ou “tristeza de vala” de um Fernando Pessoa, não sei se lhe meti algumas rabugens ácidas de ironia. Pode ser. Obra de Bípede. Escrevi-a com a pena da galhofa e a tinta da revolta, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio. A revolta é sempre engraçada, e a galhofa me faz rir às vezes. Acresce que a gente grave não achará nos livros seu romance usual, ao passo que a gente frívola achará neles umas aparências de puro romance; ei-lo aí fica privado da estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas da opinião.
Mas eu ainda espero angariar as simpatias da opinião, e o primeiro remédio é fugir a um prólogo explícito e longo. O melhor prólogo é o que contém menos coisas, ou o que as diz de um jeito obscuro e truncado. Conseguintemente, contarei adiante os processos extraordinários que empreguei na composição destes quatorze livros, trabalhados cá com apenas duas pernas. Será curioso, e extenso, e aliás, proveitosamente desnecessário ao entendimento da obra. Melhor seria explicar como me tornei Bípede. Por isso, e obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com uma dança, e adeus.

1.1 Segundo Prólogo: uma breve apresentação do herói

O Bípede! Defensor das Nuvens e Oprimidos!

Queria um prólogo assim. E assim quisera eu, o Bípede, ter quatro pernas para sempre, mas não deu. Antes de me tornar Bípede meu patrão (eu, o autor) chamava-me por um nome triplo: Ingênuo-problemático e apaixonado. Anteriormente, mais do que antes um pouco, tive dois nomes duplos: Chamava-me de Estraga-Night (Destruidor de Noites e Festas) e mais anteriormente ainda eu mesmo me chamava Noite-Mary (Pesadelo em inglês).
Assim sou depois de durante. Mas mais bípede. Quer dizer, somente Bípede. É assim que sou.
O Bípede é a voz dos mudos e as pernas do cego, antes de cego. Não tenho nome na massa. Em inglês, me chamam Rider; 1. someone who rides a horse, biclycle etc. 2. a statement that is added, especially to an offical decision or judgment. Na verdade, posso dizer com todo orgulho minha história, mesmo sabendo que é aproximadamente perto de totalmente inútil relacionar minha história com o que sou.
É necessário saberem o que sou claramente, sem névoas, grandes tropeços e gigantes nebulosas. O que é o “Bípede”, personagem principal da série “Como Me Tornei Bípede ou Os Problemas Políticos de Ser Bípede”?
Enquanto o mundo se enche de nuvens, principalmente na Palestina, resolvi voar, apesar de bípede. Voando, aproveitei que estava no espaço e lembrei do tempo e de quando me tornei bípede. Busco a explicação na confusão, no tumulto, na turba.
O glorioso período Bípede compreende os anos 2001 a 2007 de nossa Era. É um personagem criado no ano do novo século que começou no dia 11 de setembro de 2001. Uns dirão que anos bons são, outros dirão que foram só explosão.
O certo é que nuvens de mil graus varreram esses anos, apesar de dormir bem todos os dias no silêncio do bairro. O certo é que posso afirmar que me tornei bípede enquanto outros perdiam pernas. Afeganistão em outubro (Operação “Liberdade Duradoura”), 26 de outubro é votado o Patriot Act no Congresso Americano, que restringe as liberdades, 11 de Outubro de 2002 o Congresso americano autoriza o recurso à força armada contra o Iraque e 20 de março de 2003 começa a operação “Liberdade Iraquiana”. Em 2005 chega a 2000 o número de soldados americanos mortos no Iraque e aproximadamente 100.000 civis iraquianos (maioria mulheres e crianças).
As nuvens parecem feitas de carne às vezes. Às vezes é um material mais morto. Morto ou carne, há a nuvem. De 1945 para cá, a sombra da aniquilação final paira sobre o destino da humanidade, sob a forma de uma ameaçadora nuvem em forma de cogumelo. Não ligamos mais. Antes risos do que prantos descrever. Sou de uma geração que vive bem sem nuvens e cogumelos. Não ligamos para nada e nada liga para nós (somos carentes...).
De tão sem graça o mundo , tivemos que inventar algo para rir segurando a barriga enorme (dos outros). Rir como se ri da expressão “Como dar arma para macaco ”. Somos assim. Temos certeza absoluta de que o único que se libertou na Revolução Industrial foi o cavalo . Que a arte da paisagem não poderia ter nascido no deserto . Que Michelangelo esculpia em belos Mármores Escarrara (bem esverdeados) . Que a dor é vida . Que é impossível comer o bolo sem o perder . Que todo sindicalista que se preza sabe que “contra a direita e a elite, revolução é malevich ”. Que Nanoarte é uma arte menor e rolamos de rir com isso. Toulouse Lautrec é Too Loser Lautrec! (Muito Perdedor Lautrec!! Com voz de Chuck D. ), Morandi não passa de uma conjugação do verbo morar (exemplo: Estou Morandi mal ), andamos por aí saltitando e explicando que na natureza nada se cria, tudo se copia e chamamos MarK Rothko de Arrothko, pois para nós se assemelha mais ao som que ocorre quando gases do estômago são expelidos através da boca para narrar os dramas da humanidade numa época de guerras e revoluções. Sorridentes, somos assim, uma fila sem fim de demônios descontentes.
Explicado tão bem assim quem sou, penso que seria proveitoso dizer o que realizei com muito grado e litros de suco de suor de suvaco. O Bípede, disse eu, o autor, foi o primeiro a achar os quatro cantos da nuvem. Tarefa impossível, e só o impossível acontece, li em um muro. Melhor dizendo: originalmente o Bípede somente foi criado para ser o primeiro homem apto a domesticar as nuvens e assim ser o pseudônimo revolucionário do autor para o trabalho Nuvem :

Não iremos aqui nos alongar na questão da “Nuvem” por ser este trabalho talvez mais vasto, mais amplo e mais complexo que esta série. Porém é importante sabermos o que é a “Nuvem” sempre presente no romance bípede. A melhor maneira de explicar em um curto espaço, o que é a “Nuvem” é explicar o que é a nuvem. Duas pertinentes explicações sobre nuvem seguem abaixo:

Sendo um elemento pictórico privilegiado na relação com a cor, dado a sua configuração instável, sem contorno e também sem cor, assim como uma simples mancha, a nuvem admite todas as formas e todas as cores.

A nuvem, imagem da indeterminação, indecisa entre ser água e ser ar, expressa admiravelmente o caráter ambivalente dos signos e dos símbolos .

A Via Láctea é uma nuvem, uma forma gasosa que voltará a ser água. A nuvem é o desejo antes de sua cristalização: não é corpo, mas seu fantasma, a idéia fixa que deixou de ser idéia e não é ainda realidade sensível.
Nossa imaginação erótica produz sem cessar nuvens, fantasmas. A nuvem é o véu que mais revela do que oculta, o lugar da dissipação das formas e o de seu nascimento. É a metamorfose .

Ao criar esta forma “Nuvem” utilizei um mecanismo muito crucial ao modernismo:
O espaço é a realidade como vem colocada e experimentada pela consciência, e a consciência, se não abarcar e unificar o objeto e o sujeito da experiência, não é total. É o que podemos chamar de Postulado de Cézanne:
A Nuvem realiza figurativamente o espaço partindo das coisas; apenas quando as coisas desaparecem, dissolvendo-se no esquema geométrico, é que se pode dizer que o espaço existe no quadro, isto é, a realidade é experimentada pela consciência que a recebe de dentro, porque a consciência também é a realidade .
Se o Bípede é o resultado de uma metamorfose, a Nuvem é a própria metamorfose. A Nuvem é uma ironia sobre o irônico conceito de nuvem.
Logicamente o Bípede surgiu depois do trabalho Nuvem, pois somente depois de capturada é que a Nuvem precisou de um capturador. Como o Bípede permaneceu de pé, mesmo depois dessa gigantesca e ingrata tarefa bem cumprida, resolvi dar-lhe voz em uma série de quatorze livros.
Com voz, e animado pela esperança de ser particularmente útil à juventude e de contribuir para o escárnio dos costumes em geral, o bípede formou a presente coleção de máximas, conselhos e preceitos, que são a base daquela moral universal tão adequada à felicidade espiritual e temporal de todos os homens de qualquer idade, estado e condição que sejam, e à prosperidade e boa ordem, não só da república civil e cristã em que vivemos, mas também de qualquer outra república ou governo que os filósofos mais especulativos e profundos do orbe queiram discorrer!
Mas tenho bem forte aqui comigo que minha voz é muda e minhas pernas fracas, e que vou cair .
Todo bípede sabe da divisão das coisas. As coisas se dividem em diversas coisas. As coisas sutis e grosseiras, as coisas que têm forma e o que é informe, e entre as que têm apoio e as que não tem apoio . O bípede informa que está na categoria das coisas grosseiras que tem apoio sutil de duas pernas magras.
A metáfora que este personagem fez de si próprio é propositalmente vasta, ampla e cansativa, como as metáforas, por isso vamos ser breves nesta explicação:
O Bípede é a humanidade inteira sobre duas únicas pernas somente:
"UBUNTU UNGAMNTU NGANYE ABANTU" ("Pessoas são pessoas através de outras pessoas" -Ditado Xhosa)
Assim me livrei de explicar quem sou me anulando na massa.
Mas, chegando perto do final deste longo segundo prólogo, começo a arrepender-me deste personagem. Não que ele me canse; eu não tenho nada para fazer; e, realmente expedir algumas magras máximas, conselhos e preceitos para este mundo cruel sempre é tarefa que distrai um pouco da existência pesada. Mas o personagem é enfadonho, cheira a ave e traz certa criatividade requentada de circo; vício grave, e aliás ínfimo, porque o maior defeito deste personagem és tu, leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o personagem anda devagar; tu amas a narração direita e nutrida, o estilo regular e fluente, e esse personagem e o meu estilo são como os ébrios, guinam à direita e à esquerda, andam e param, resmungam, urram, gargalham, ameaçam o céu, escorregam e caem...
E caem!
E caem todos, assim como eu, que por ser só Bípede, caio.
E esta é a grande vantagem de ser Bípede: Se não tenho mais pernas para me equilibrar, também não tenho mais para lamentar, em caso de furtos, perdas ou danos.

1.2 Sobre o texto:
Esta dissertação irá se fincar em 3 pernas, na carência de mais (pernas) ou no desejo de menos (pernas). O suporte, o personagem e sua narrativa, e como esse personagem exerce no “palco” esta ironia (assim como a ironia e o personagem que o próprio palco também é). Em outras palavras: esses três capítulos são sobre uma pessoa-autor narrada pelo autor-pessoa, que expropria livros, travestido de humanidade. Muito poético e pouco esclarecedor agora, mas ao final desta dissertação, espero que vejam estes quatorze livros muito mais poéticos e esta dissertação relativamente esclarecedora .

Capítulo I – O suporte
Capítulo II – O personagem e a narrativa
Capítulo III – A Ironia (e a “Resignificação”)

Importante:
O método utilizado nesta dissertação é similar ao utilizado nos Quatorze Livros da Serie Como Me Tornei Bípede (p.129): o jogo de palavras, as metáforas, os momentos “vulgares” e grosseirões e principalmente: a apropriação e adaptação de alguns textos para “meu próprio” uso estão presentes aqui também.
Textos como a introdução do “Livro do Desassossego” escrito por Richard Zenith foram apropriados e adaptados em sua quase totalidade em diversos trechos da dissertação, devido a uma bizarra semelhança desse livro com esta série de quatorze livros sobre uma metamorfose. Assim também ocorreu com o primeiro prólogo, adaptado de Machado de Assis em “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e com Argan (Arte Moderna, p. 504) em um texto sobre Morandi e o Postulado de Cézanne, que a Nuvem encaixou como uma luva.

2 Como me tornei estúpido